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A língua Suméria

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Capa do artigo: A língua Suméria

Contrato antigo relativo à venda de um campo e uma casa. Churupaque, cerca de 2600 a.C.
Museu do Louvre. AO3760. Via Wikimedia Commons.

A língua suméria foi falada no sul da Mesopotâmia desde antes do segundo milênio a.C e foi a primeira língua a ser escrita em caracteres cuneiformes. É uma língua isolada, significando que não conhecemos nenhuma outra língua que se relacione com ela ancestralmente. Embora existam algumas teorias de que o sumério é um membro das línguas urálicas como húngaro e finlandês, ou outras famílias de línguas, esta é uma visão minoritária com evidência insuficiente para fazer uma afirmação definitiva.

A língua era falada em uma região onde línguas semíticas também eram faladas, particularmente a língua acádia, e eventualmente caiu em desuso em favor dessas línguas na virada do segundo milênio (cerca de 2000 a.C). No entanto, uma forma literária da língua continuou a ser escrita por mais de 2000 anos, e também teve influências notáveis ​​em outras línguas da região no que diz respeito ao seu léxico, gramática e escrita.

Desenvolvimento Histórico da Língua

Pouco se sabe sobre quando as pessoas de língua suméria chegaram ao sul da Mesopotâmia, assumindo que não se originaram lá. De qualquer forma, desde um período muito inicial, existia um ambiente multilíngüe no sul da Mesopotâmia, que incluía línguas como sumério, uma forma primitiva de acadiano, outras línguas semíticas e hurritas.

Alguns estudiosos têm postulado a possibilidade da existência de um substrato desconhecido, ou uma linguagem influente da área, devido à presença de palavras de origem desconhecida em escritos sumérios. Foi demonstrado, no entanto, que essas palavras se originaram em outras línguas conhecidas, são compostas em sumério, ou palavras comuns a muitas línguas de origem não clara.

Uma das placas de argila em cuneiforme mais antigas que existem. Período Uruk Tardio, 3100-3000 a.C. Museu Britânico. N° 140855

A primeira aparição da linguagem escrita é de um grupo de textos que datam do período de Uruk IV (cerca de 3200 a.C). A maioria destes são textos administrativos, mas alguns são listas de palavras usadas para a educação de escribas. Tem sido questionado a afirmação de que esses textos sejam de fato sumérios, devido ao fato de que ideogramas são abundantes, os quais podem ser lidos em qualquer idioma.

Por exemplo, três traços, juntamente com uma representação de um boi, podem ser lidos como “três bois” em inglês, “drei Ochsen” em alemão, “tres bueyes” em espanhol, etc. O significado da escrita não mudaria. No entanto, a presença de complementos fonéticos, bem como grafias fonéticas que indicam ao leitor uma pronúncia real, torna quase certo que a linguagem era de fato suméria. Cerca de 400 anos depois, o próximo grupo de textos veio de Ur (cerca de 2800 a.C). Mais uma vez, estes são principalmente textos administrativos, juntamente com várias listas de palavras para a educação de escribas.

Nosso conhecimento da literatura suméria, na verdade a mais antiga literatura conhecida, ganha vida durante o início do período dinástico III (EDIII) cerca de 2500 a.C, especialmente nos sítios de Fara (antiga Churupaque) e Abu Salabikh. Aqui nós obtemos os primeiros exemplos de obras como o Hino do Templo de Kesh, as Instruções de Churupaque, e Lugalbanda e Ninsun (os pais de Gilgamesh), que romperam os limites do domínio prático da economia e administração, e mergulharam na esfera da mitologia e cosmologia.

Embora esses textos sejam difíceis de ler, podemos verificar temas literários como a formação do mundo, a construção de templos divinos e outras atividades divinas, às vezes de natureza adulta. Nestes textos, também encontramos um grande número de nomes de escribas e funções que são de origem acadiana, sugerindo que as duas línguas eram muito misturadas, como dito acima. Esta foi a época da maior influência mundana dos sumérios, como evidenciado por textos fora do reino mesopotâmico de Mari, Ebla, Tell Beydar e Tell Brak, que utilizavam a escrita cuneiforme para o sumério, bem como suas línguas semíticas locais.

Não temos muitas evidências da escrita suméria durante o período sargônico (cerca de 2300-2100 a.C). Os escribas eram treinados centralmente em Agade e depois mandados para ajudar a conduzir os assuntos de todas as partes do reino, mas eles usavam o acadiano como sua língua, colocando o sumério em segundo lugar. Mesmo assim, ainda havia cidades locais usando a escrita suméria para a administração local.

Houve um certo ressurgimento da escrita suméria durante o período da Terceira Dinastia de Ur (cerca 2100 - c. 2000 aC), quando os primeiros reis desse período, Ur-Nammu e Shulgi, usaram o cuneiforme sumério em suas administrações. No entanto, nesta fase, a linguagem escrita não teria refletido qualquer vernáculo falado.

Tábua de pedra com inscrição de Ur-Nammu. Descoberto no Templo de Inanna, Uruk. Cerca de 2112-2095 a.C. Museu Britânico. N° 113866

No reino da literatura, Shulgi substituiu a antiga tradição mitológica de Período Dinástico III por um novo currículo para os escribas que introduzia gêneros como hinos e canções reais e divinas. Este também foi o período em que obras famosas como A Maldição de Agade e o Código de Direito de Ur-Nammu foram compostas pela primeira vez.

Contemporâneo com Ur-Nammu foi Gudea, o rei de Lagash/Girsu, que é famoso por ser o tema de textos presentes em cilindros e estátuas. Em um relato, o deus da cidade Ningirsu veio a ele em um sonho e ordenou que ele construísse o templo de Eninnu em Girsu, o qual ele, é claro, obedientemente fez.

No período babilônico antigo (cerca de 2000 a.C), a maioria dos estudiosos concorda que as pessoas pararam completamente de falar em sumério (se não antes). No entanto, embora a linguagem tenha deixado de ser falada, ela foi revitalizada pelos antigos escribas babilônicos em sua forma literária. De fato, a maior parte da literatura suméria que chega até nós é desse período. Sendo assim, há muito debate sobre a relação do sumério escrito na antiga Babilônia, com a forma que o idioma possuía quando ainda era uma língua viva.

Muitos desses textos vêm de sítios babilônicos do sul, como Ur e Nippur, mas apenas antes e durante o reinado de Samsu-iluna (1750-1712 a.C), sob o qual ocorreu uma rebelião que levou ao abandono de Nippur. No norte da Babilônia, essa tradição não foi interrompida até a invasão de Mursili I (cerca de 1595 a.C). Alguns textos famosos ou escritos neste período ou copiados de um período anterior incluem a Lista de Reis Sumérios, A Lamentação de Ur, A Descida de Inanna ao Mundo Inferior e os mitos heróicos de Enmerkar, Lugalbanda e Gilgamesh.

Escrevendo em sumério

O sumério é escrito em caracteres cuneiformes. De fato, é a primeira língua que sabemos que foi escrita usando o cuneiforme, e é provável que o cuneiforme foi desenvolvido para ser usado por essa linguagem. A escrita foi originalmente feita usando ideogramas, símbolos que expressam uma idéia, em vez de uma palavra ou som, e, portanto, podiam ser entendidos tecnicamente em qualquer idioma.

No entanto, conforme a escrita se desenvolveu, os escribas sumérios atribuíram valores silábicos aos sinais, baseados em como a palavra soava na sua língua. Por exemplo, uma imagem de uma boca representaria a palavra "ka" e, assim, o sinal agora poderia representar a sílaba "ka" em qualquer palavra que possuisse essa sílaba.

A evolução da escrita pictográfica para a escrita fonética.

O sistema de escrita dos sumérios têm os princípios da polifonia e da homofonia.

Polifonia significa que alguns sinais têm múltiplos valores silábicos, por exemplo, o sinal de DU pode ser lido como 'du', 'ra2', 'ša4', etc., cada um com significados diferentes, mas frequentemente relacionados.

Homofonia significa que existem múltiplos sinais com o mesmo valor silábico. Você deve ter notado o uso de subscritos (2) nos valores dos sinais. Isso ocorre porque as sílabas como "ra" tinham várias representações de sinal, como RA, o DU mencionado acima e outras. Inacreditavelmente, algumas sílabas tinham mais de 10 sinais diferentes representando-as.

Este princípio de homofonia, somado ao fato de que uma sílaba em sumério freqüentemente compreende a palavra inteira, levaram alguns estudiosos a acreditar que o sumério continha um sistema tonal. Como pode haver tantos homófonos sem que haja algum outro recurso para distingui-los?

Contrariando esta noção, outros estudiosos notaram que estas sílabas únicas diferem frequentemente pela sua consoante final, a qual ficava fora da pronúncia no final da palavra. Por exemplo, o sinal para a palavra boi 'gu4', tinha outro valor 'gud', o 'd' sendo mudo quando a palavra é final. Outra sugestão é a existência potencial de aglomerados consonantais, que o sistema de escrita não tinha meios de representar.

Dialetos?

Houve um interessante sistema de variação dos valores dos sinais que existiu apenas durante o Período Dinástico III. Isso é comumente chamado de UGN ou UD.GAL.NUN conforme os sinais são soletrados. Esta maneira de escrever é caracterizada por leituras atípicas para certos sinais. Por exemplo, os sinais UD.GAL.NUN tinham a leitura anômala de diŋir.en.lil2 que referenciaria o deus (diŋir) Enlil, que não tinha nada a ver com a leitura típica de sinais. Há um certo número de aparições dessas leituras irregulares, mas ela parece ter saído de prática após esse período.

Eme-sal é comumente referido como um dialeto sumério em oposição a eme-gir15 ou o “dialeto principal” dos sumérios. A escrita de eme-sal é limitada a textos rituais, particularmente os textos de lamentação para os sacerdotes-gala, e as palavras ditas por certas deusas, embora em outros lugares essas deusas falem eme-gir15.

Porque o sinal SAL pode ter uma leitura como munus que significa “mulher”, os estudiosos têm postulado que eme-sal é um dialeto de gênero ou dialeto especial para a fala das mulheres. No entanto, o sinal SAL também tem o sal de leitura, que significa “magro” ou “suave” e pode simplesmente se referir a uma variante especial para as deusas ou sacerdotes que realizam rituais, conforme mencionado anteriormente. Outra sugestão apresentada é a de que os sacerdotes-gala eram eunucos, mas não há evidência de castração na antiga cultura do sul da Mesopotâmia.

O legado dos sumérios

Como dito acima, a língua suméria desfrutou de uma ressurreição durante o período babilônico antigo como uma linguagem literária e litúrgica. Os escribas nesse período consideravam a linguagem como essencial para manter as tradições de um período muito antigo e queriam recapturar um tempo arcaico de magia e lenda.

Após esse período terminar em cerca de 1595 a.C, o uso de Sumério pelos escribas diminuiu significativamente. O repertório de textos foi reduzido, particularmente os hinos reais/divinos da Terceira Dinastia de Ur, e mesmo aqueles que continuaram foram escritos apenas em versões bilingües com acadiano e outras línguas.

No entanto, o sumério ainda estava sendo estudado nas escolas de escribas, e continuou a ser cantado em liturgia nos períodos persa e helenístico. Existem até mesmo tábuas de exercícios para estudantes com escrita cuneiforme de um lado e grego do outro. A última tabuinha cuneiforme conhecida foi uma obra astronômica datada do ano 75 na Babilônia, mas é provável que a escrita cuneiforme tenha finalmente caído em desuso depois disso.

Tábua de argila com um exercício de um estudante grego. Na parte da frente há um encantamento em cuneiforme contra os maus espíritos escritos em sumério e babilônico; na parte de trás o texto foi repetido foneticamente na escrita grega. Período Babilônico Tardio, cerca de século 3 a 1 a.C. Museu Britânico. N° 1882,0704.139

Hoje, o sumério é ensinado apenas em um número restrito de universidades pelo mundo. No total, provavelmente não há mais do que algumas centenas de pessoas com um conhecimento prático da língua, e ainda há muito debate até mesmo sobre os fundamentos da gramática. Mesmo os principais estudiosos do campo estão incertos sobre os significados de certas passagens.

A Suméria oferece um quebra-cabeças desafiador, mas fascinante, sobre a vida e a literatura daqueles que primeiro realizaram a tarefa de imortalizar suas palavras por escrito. É uma linguagem verdadeiramente intrigante, refletindo as pessoas intrigantes que a escreveram.

Tradução de texto escrito por Jason Moser
Novembro de 2015

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Postado por Moacir Führ

Moacir tem 36 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

Fontes bibiliográficas
  • Michalowsky, P. "Sumerian Literary Traditions: An Overview." Civilizations of the Ancient Near East, (edited by Anonymous). (Scribners,New York, 1995), 2277-2289.
  • Rubio, G. "The Inventions of Sumerian: Literature and the Artifacts of Identity." Problems of Canonicity and Identity Formation in Ancient Egypt and Mesopotamia, (edited by K. Ryholt & G. Barjamovic). (Museum Tusculanum,Copenhagen, 2015), 231-252.
  • Michalowsky, P. "The Lives of the Sumerian Language." Margins of Writing, Origins of Culture: New Approaches to Writing and Reading in the Ancient Near East. Papers from the Symposium held February 25-26,2005, (edited by Seth L. Sanders). (The Oriental Institute,Chicago, 2006), 157-182.
  • Thomsen, M. The Sumerian Language: An Introduction to its History and Grammatical Structure. (Akademisk Forlag,Denmark, 1984).
  • Michalowsky, P. "Sumerian." The Cambridge Encyclopedia of the World's Ancient Languages, (edited by Woodard, R.D.). (Cambridge University Press, 2004), 19-59.
  • British Museum. inscription of Ur-Nammu. Acesso em 03 nov. 2018.
  • British Museum. tablet. Acesso em 03 nov. 2018.
  • British Museum. Society Tablet. Acesso em 03 nov. 2018.
  • Wikimedia Commons. Sales contract Shuruppak Louvre AO3760. Acesso em 03 nov. 2018.
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