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A história da cidade assíria de Ashur

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Capa do artigo: A história da cidade assíria de Ashur

Uma reconstrução da cidade de Ashur durante o período médio assírio.
Uploader SapraAshuraya. Via Wikimedia Commons. Ilustração de Archaeology Illustrated.

Ashur (também conhecida como Assur) era uma cidade assíria localizada em um platô acima do rio Tigre na Mesopotâmia (hoje conhecido como Qalat Sherqat, norte do Iraque). A cidade era um importante centro de comércio, pois ficava diretamente em uma rota de comércio de caravanas que atravessava a Mesopotâmia até a Anatólia e descendo pelo Levante. Foi fundada em cerca de 1900 a.C no lugar de uma comunidade pré-existente que havia sido construída pelos acádios em algum momento durante o reinado de Sargão, o Grande (2334-2279 a.C) de Acádia.

Mapa da Mesopotâmia destacando as principais cidades da época. Em azul a localização das capitais assírias, em verde outras cidades importantes e em vermelho a atual capital do Iraque, Bagdá.

De acordo com uma interpretação de passagens do livro bíblico do Gênesis, Ashur foi fundada por um homem chamado Ashur, filho de Shem, filho de Noé, depois do Dilúvio, que então fundou as outras importantes cidades assírias. Um relato mais provável é que a cidade foi chamada Ashur em homenagem a divindade de mesmo nome, em algum momento do terceiro milênio a.C. A versão bíblica da origem de Ashur aparece mais tarde no registro histórico depois que os assírios aceitaram o cristianismo e, portanto, acredita-se que seja uma reinterpretação de sua história inicial, que estava mais de acordo com seu novo sistema de crenças.

Por causa do lucrativo comércio que Ashur desfrutou com a cidade de Karum Kanesh na Anatólia, ela floresceu e se tornou a capital do Império Assírio. Mesmo depois que a capital foi transferida para as cidades de Kalhu (Nimrud), e depois Dur-Sharrukin e, finalmente, Nínive, Ashur continuou a ser um importante centro espiritual para os assírios. Todos os grandes reis (exceto Sargão II, cujo corpo foi perdido em batalha) foram enterrados em Ashur, desde os primeiros dias do Império Assírio até o último, não importando onde a capital estivesse localizada.

A cidade de Ashur ao longo dos séculos. Em preto as construções do Período Assírio Antigo. Em verde do Período Médio. Em laranja dos séculos finais do Império Assíria. Via Wikimedia Commons.

História primitiva da cidade

Escavações arqueológicas mostram que existia uma cidade de algum tipo no local já no terceiro milênio a.C. Que forma precisa esta cidade tomou ou qual era o seu tamanho não nos e conhecido. As fundações mais antigas descobertas até agora são aquelas abaixo do primeiro Templo de Ishtar, que provavelmente formaram a base de um templo anterior, pois os mesopotâmicos geralmente construíam o mesmo tipo de estrutura nas ruínas de um templo anterior.

A partir da cerâmica e de outros artefatos encontrados no sítio, sabe-se que Ashur era um importante centro de comércio no início do Império acadiano e fora um posto avançado da cidade de Acade. Com o tempo, o comércio entre a Mesopotâmia e a Anatólia aumentou, e Ashur estava entre as cidades mais importantes nessas transações devido à sua localização. Comerciantes enviavam suas mercadorias via caravana para a Anatólia e comercializavam principalmente em Karum Kanesh. O estudioso Paul Kriwaczek escreve:

Durante várias gerações, as casas comerciais de Karum Kanesh prosperaram e algumas tornaram-se extremamente ricas - antigos milionários. No entanto, nem todos os negócios foram mantidos dentro da família. Ashur tinha um sistema bancário sofisticado e parte do capital que financiava o comércio da Anatólia vinha de investimentos de longo prazo, feitos por especuladores independentes em troca de uma proporção dos lucros especificada por contrato. (KRIWACZEK, 2010, p.214, tradução nossa)

Esses lucros foram gastos em grande parte na cidade em reformas e modificações em casas de particulares e prédios públicos. Através do comércio, Ashur prosperou e se expandiu, tornando-se a capital da Assíria no segundo milênio a.C. Paredes foram construídas ao redor da cidade para melhorar suas defesas naturais, mesmo que essas defesas naturais fossem já bastante vantajosas. Sobre isso, a historiadora Gwendolyn Leick escreve:

A cidade de Ashur foi construída sobre um penhasco calcário rochoso que forçou o Tigre a fluir rapidamente em uma curva acentuada. O córrego principal também foi acompanhado por um braço lateral na antiguidade, de modo que uma ilha oval foi criada com uma linha de costa de 1,80 km. Afloramentos rochosos subiram cerca de 25 metros acima do fundo do vale, com lados íngremes. Esta posição naturalmente protegida teve importância estratégica, pois tornou o local relativamente fácil de defender, além de formar um marco com uma visão ampla do vale. (LEICK, 2002, p.194-195, tradução nossa)

A ascensão de Ashur

Quando a cidade floresceu, os assírios expandiram seu território para o exterior. O rei assírio Shamashi Adad I (1813-1791 a.C) expulsou as tribos amorrita invasoras e assegurou as fronteiras de Ashur e da terra assíria contra outras incursões. A cidade cresceu sob o reinado de Shamashi Adad I e depois caiu para o poder da Babilônia sob Hamurabi (1792-1750 a.C).

Hamurabi tratou bem a cidade de Ashur e respeitou os deuses e os templos, mas não permitiu mais que a cidade negociasse com Anatólia. A Babilônia assumiu a rota comercial que tinha feito Ashur rica, e a cidade assíria foi forçada a negociar apenas com a Babilônia; isto causou um declínio na prosperidade de Ashur que definhou a condição de estado vassalo.

Quando Hamurabi morreu em 1750 a.C, a região irrompeu em turbulência e guerra civil, à medida que as cidades-estados competiam entre si pelo domínio do território. A estabilidade foi finalmente alcançada pelo rei assírio Adasi (1726-1691 a.C), mas, nessa época, o reino de Mitanni havia crescido no oeste da Anatólia e lentamente se espalhou pela Mesopotâmia, agora mantendo Ashur como parte de seu território. Assur novamente definhava como um estado vassalo até a ascensão do rei assírio Assur-Ubalit I (1353-1318 a.C), que derrotou os Mitanni e tomou grandes porções de seu território.

O reino de Mitanni sofreu perdas significativas desde os dias de seu auge, desde que o rei hitita Suppiluliuma I (1344-1322 a.C) conquistou-os e substituiu os governantes mitanni por oficiais hititas. Ashur-Ubalit derroteu esses governantes hititas em combate, mas não conseguiu desalojar completamente a região. O último rei Adad Nirari I (1307-1275 a.C) conquistou os hititas e tomou as terras dos Mitanni para criar a primeira tentaiva de um império assírio.

Governando a partir de Ashur, ele liderou seu exército vitorioso por toda a região e enviou o saque de suas conquistas de volta à cidade. Ashur se tornou novamente próspera e voltou a se desenvolver e a se expandir. Adad Nirari I comissionou muitos projetos de construção na cidade e melhorou as muralhas. É deste ponto em diante que Ashur se tornou a cidade famosa como a capital do Império Assírio.

Ashur, a capital

O filho de Adad Nirari I, Shalmaneser I (1274-1245 a.C), continuou a melhorar a cidade e foi tão próspero que também conseguiu construir a cidade de Kalhu (também conhecida como Nimrud, que mais tarde se tornaria a capital). Seu filho, Tukulti-Ninurta I (1244-1208 a.C), levou as reformas e os projetos de construção ainda mais longe. Tukulti-Ninurta I construiu sua própria cidade, chamada Kar-Tukulti-Ninurta (Porto de Tukulti-Ninurta) do outro lado do rio de Ashur.

Há algum tempo, os historiadores afirmam que esta cidade foi construída após o saque da Babilônia de Tukulti-Ninurta em cerca de 1225 a.C, por causa das inscrições encontradas no local que pareciam apoiar esta versão da história. Acredita-se agora, com base em outras inscrições, registros e evidências arqueológicas no local, que o rei começou a construir sua cidade no início de seu reinado. Suas razões para fazê-lo poderiam ter sido o fato de haver pouco a melhorar na cidade de Ashur, e o rei queria um projeto de construção impressionante que separasse seu nome do de seus predecessores.

Ruínas do antigo zigurate em Ashur.

Ele já havia renovado o Templo de Ishtar em Ashur e comissionado outros projetos, mas estes estavam simplesmente melhorando o que os reis anteriores haviam realizado. Como Tukulti-Ninurta I era um homem ambicioso com uma grande visão de si mesmo, apenas a construção de uma cidade completamente nova com seu nome parecia se adequar aos seus propósitos. Embora Kar-Tukulti-Ninurta tenha sido pensada anteriormente como tendo sido construída para ser a nova capital, e substituir Ashur, essa teoria não é mais aceita por muitos historiadores.

Registros indicam que os mesmos funcionários que trabalhavam no palácio em Ashur também trabalhavam ao longo do rio em Kar-Tukulti-Ninurta, ao mesmo tempo, sugerindo que os negócios continuavam como de costume na capital. Tukulti-Ninurta I claramente favorecia a sua nova cidade, no entanto, uma vez que ele parece ter esbanjado a riqueza que ele roubou dos templos da Babilônia em seu novo palácio e outros projetos em Kar-Tukulti-Ninurta. O rei foi assassinado em seu palácio por seu filho, por causa do tratamento dispensado a Babilônia e, especialmente, devido ao saque dos templos; após sua morte, sua cidade foi abandonada em favor de Ashur e eventualmente decaiu e foi abandonada.

Ashur continuou como a capital e a jóia do império no reinado posterior, do rei Tiglath Pileser I (1115-1076 a.C), que emitiu seu famoso código de leis da cidade e esbanjou sua riqueza fazendo melhorias no palácio e nas muralhas. Como seus antecessores, ele fez campanha com suas tropas em toda a região e expandiu significativamente o território assírio, mas, após sua morte, o reino que ele havia construído desmoronou. Durante este período, Ashur permaneceu estável, se não especialmente próspera, e os reis que seguiram Tiglath Pileser I foram capazes de reter as terras que cercam a cidade, embora tenham perdido regiões mais distantes.

Com a ascensão de Adad-Nirari II (912-891 a.C), a cidade voltou a apreciar sua antiga prosperidade e o Império Assírio começou a crescer. Adad-Nirari II reconquistou as regiões que haviam escapado do controle assírio e expandiu o império ainda mais em todas as direções. Ashur era agora o centro da roda gigante do império, e a riqueza fluía regularmente para a capital a partir das campanhas militares dos reis.

Reconstrução do Templo de Anu construído por Shalmaneser III em Ashur. (Mary Evans Picture Library)

A política assíria de deportar e realocar grandes segmentos da população das regiões conquistadas também afetou Ashur, pois os escribas e acadêmicos eram enviados regularmente para trabalhar na biblioteca, no palácio ou nas escolas. Isso ajudou a tornar Ashur um centro de aprendizado e cultura. Quando Tukulti-Ninurta I saqueou Babilônia, parte do saque que ele trouxe de volta para Ashur foram "livros". As tabuletas de barro sobre as quais as histórias, mitos e lendas da Babilônia foram escritas agora enchiam as prateleiras da biblioteca de Ashur e, como eram copiadas pelos escribas, influenciavam os escritores assírios e também eram preservadas para o futuro.

Ashur no Império Neo-Assírio

O rei Ashurnasirpal II (884-859 a.C) mudou a capital de Ashur para Kalhu, mas isso não teve efeito sobre a prosperidade ou importância de Ashur. Kalhu foi renovada após as campanhas de sucesso de Ashurnasirpal II, e ele provavelmente fez dela sua nova capital pela mesma razão que Tukulti-Ninurta I havia construído sua cidade: para elevar seu nome acima de seus antecessores. O historiador Marc Van De Mieroop escreve:

Os reis devem ter tido uma motivação para a construção dessas vastas cidades, mas quando olhamos para os registros deles, nenhuma razão para o trabalho é declarada. A justificativa de Ashurnasirpal para o trabalho em Kalhu é meramente uma afirmação de que a cidade construída por seu predecessor, Shalmaneser, havia se tornado dilapidada. (MIEROOP, 1998, p.55, tradução nossa)

Também não há razão declarada para fazer de Kalhu a nova capital, e esse movimento parece particularmente estranho quando se consideram as defesas naturais de Ashur e a força de suas muralhas. Uma teoria sugerida é que Ashurnasirpal II queria uma cidade virgem cuja população não tivesse uma identidade coesa. Ashur, por esta altura, era uma cidade muito prestigiada e os seus cidadãos orgulhavam-se da sua cidade e eram Ashurianos. Portanto, foi proposto que Ashurnasirpal II movesse a capital para criar uma base de poder real com uma população menos orgulhosa e, portanto, mais facilmente administrada.

Uma estela encontrada nas ruínas de Kalhu descreve o festival de inauguração da nova capital em que Ashurnasirpal II alimentou 69.574 homens e mulheres de seu reino por dez dias. Outras inscrições na cidade contam como Ashurnasirpal II se referiu a Kalhu como “minha residência real e para meu prazer senhorial para todos os tempos” e como ele plantou mudas de 41 tipos de árvores ao redor da nova cidade e cavou grandes canais e valas de irrigação (Van De Mieroop, 68). Tudo isso foi feito para elevar a nova capital, acima de Ashur e, mesmo assim, não há evidência de qualquer declínio no status de Ashur ao longo dos próximos 150 anos em que Kalhu foi a capital.

Ashur foi defendida com sucesso durante as guerras civis que marcaram o reinado de Shamshi Adad (824-811 a.C) e isso se manteve sob os reis que o seguiram. Tiglath Pileser III (745-727 a.C) enriqueceu ainda mais a cidade e fortaleceu as muralhas, e seus sucessores fizeram o mesmo. Senaqueribe (705-681 a.C) trouxe os despojos de seu saque de Babilônia de volta a Assur, embora, nessa época, Nínive fosse a capital e o local de seu palácio "sem rival" .Ele claramente despejou essa riqueza nos jardins, parques e no palácio de Nínive, mas continuou a honrar a antiga cidade de seus ancestrais.

Banheira originalmente feita de um único bloco de basalto e localizada no pátio do templo de Ashur. Dois sacerdotes parecem usar peles de peixe e seguram pequenos baldes cheios de fluido para purificar o deus da água no centro. Existem várias inscrições cuneiformes repetidas que mencionam o nome do rei assírio Senaqueribe. O interior da bacia não estava decorado. Era usada para cerimônias de purificação. Reinado de Senaqueribe, 704-681 a.C. (Museu Pergamon, Berlim). Via Ancient.eu.

Os reis que o seguiram, Esarhaddon (681-669 a.C) e Assurbanipal (668-627 a.C), também honraram a cidade com presentes e projetos de construção. Quando Assurbanipal morreu, as regiões do Império Assírio se revoltaram e o império começou a se desfazer. Os sucessores de Assurbanipal não puderam fazer nada para impedir o rápido declínio e o império caiu.

A cidade de Ashur foi destruída em 612 a.C pelas forças combinadas dos babilônios, medos e persas, juntamente com as outras grandes cidades assírias, como Nínive. A cidade estava em ruínas, mas foi repovoada e parcialmente reconstruída em algum momento. Ashur continuou como um assentamento até o século 14 d.C, mas nunca mais foi tão próspera como tinha sido durante a sua idade de ouro.

Tradução de texto escrito por Joshua J. Mark
Junho de 2014

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Postado por Moacir Führ

Moacir tem 36 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

Fontes bibiliográficas
  • Bertman, S. Handbook to Life in Ancient Mesopotamia. Oxford University Press, 2003.
  • Kriwaczek, P. Babylon: Mesopotamia and the Birth of Civilization. Thomas Dunne Books, 2010.
  • Leick, G. Mesopotamia: The Invention of the City. Penguin Books, 2002.
  • Van de Mieroop, M. The Ancient Mesopotamian City. Oxford University Press, 1998.
  • Bottéro, J. Everyday Life in Ancient Mesopotamia. Johns Hopkins University Press, 2001.
  • Durant, W. Our Oriental Heritage. Simon & Schuster, 1954.
  • Von Soden, W. The Ancient Orient. Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1994.
  • Wise Bauer, S. The History of the Ancient World. W. W. Norton & Company, 2007.
  • Ancient.eu. Basalt basin for purification purposes from Ashur. Acesso em 07 nov. 2018.
  • Wikimedia Commons. Map Ashur. Acesso em 07 nov. 2018
  • Wikimedia Commons. Ashur in Antiquity. Acesso em 07 nov. 2018
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