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A Medicina na Idade Média

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Capa do artigo: A Medicina na Idade Média

Detalhe de uma inicial B com um médico universitário segurando um frasco e ensinando exame de urina a dois alunos, que também seguram frascos. Texto médico conhecido como Articella. Século 14. Escrito em latim em estilo gótico. Produzido na França. British Library. Harley 3140, f. 32v

No século 2 d.C., Orígenes de Alexandria escreveu: “Pois aqueles que estão adornados com a religião usam os médicos como servos de Deus, sabendo que Ele mesmo deu conhecimento médico aos homens, assim como Ele mesmo designou ervas e outras coisas para crescerem na terra”.

A prática da medicina na Idade Média estava enraizada na tradição grega. Hipócrates, considerado o “pai da medicina”, descreveu o corpo como sendo composto por quatro humores - bile amarela, fleuma, bile negra e sangue - e controlado pelos quatro elementos - fogo, água, terra e ar. Então, o corpo podia ser purgado de excessos através da sangrando e da sucção de sangue (sanguessugas) - práticas médicas que continuaram durante a Idade Média.

Em 65 d.C., Dioscórides, um grego, escreveu sua obra De Materia Medica. Era um texto prático que tratava do uso medicinal de mais de 600 plantas (fotos abaixo). No século 2, Galeno sintetizou muito do que foi atribuído a Hipócrates, e para aprofundar sua compreensão das funções corporais, ele realizou dissecações em animais e até mesmo em humanos e foi capaz de demonstrar que as artérias transportavam sangue em vez de ar. As teorias galênicas tiveram grande longevidade, prevalecendo na Europa Ocidental até o século 16.

Planta Phyllitis hemionitis. Página de uma edição De Materia Medica, de Dioscórides, publicada entre 1564-1584 na Itália. British Libray. Additional 22332Planta Helleboris viridis. Página de uma edição De Materia Medica, de Dioscórides, publicada entre 1564-1584 na Itália. British Libray. Additional 22332


Os árabes foram os grandes tradutores e sintetizadores de textos médicos. Muitos textos gregos foram traduzidos primeiro para o árabe e depois para o hebraico. Conseqüentemente, árabes e judeus eram famosos pela prática da medicina, e médicos árabes e judeus eram freqüentemente empregados por reis (por exemplo, Jaime II de Aragão no século 14).

Plantas medicinais

Não se pode superestimar a importância das plantas medicinais na Idade Média. Embora o texto original de Dioscórides esteja perdido, existem muitas cópias remanescentes. Seus textos formaram a base de grande parte da fitoterapia (tratamento com plantas medicinais) praticada até 1500.

Página de uma compilação de farmacologia médica do século 12, escrita em latim, e publicada na Holanda ou Inglaterra. British Libray. Harley 1585

Algumas plantas eram usadas para distúrbios específicos, enquanto outras eram reconhecidas por curar várias doenças. Em muitos casos, misturas eram feitas com várias ervas diferentes. Nenhum jardim monástico estaria completo sem plantas medicinais, e era aos mosteiros que os doentes iam obter tais ervas. Além disso, as pessoas podem ter ido à bruxa local ou ao boticário para poções de cura.

Plantas em livro medieval do final do século 13. Tractatus de herbis (Herbal); De Simplici Medicina ; Circa instans; Antidotarium Nicolai. Publicado na Itália entre 1280-1310. Latim em estilo gótico. British Library. Egerton 747

Escolas de medicina

Por volta do século 12, havia escolas médicas em toda a Europa. A mais famosa era a escola de Salerno, no sul da Itália, supostamente fundada por um cristão, um árabe e um judeu. Um spa de saúde do século 2, Salerno era surpreendentemente livre de controle clerical, embora ficasse muito perto do famoso e muito poderoso mosteiro de Monte Cassino. A faculdade de medicina de Salerno permitia que as mulheres estudassem lá.

A escola de medicina de Montpellier remonta ao século 10, embora a universidade só tenha sido fundada em 1289. O conde Guilhem VIII de Montpellier (1157-1202) permitia que qualquer pessoa com licença médica lecionasse lá, independentemente de religião ou origem. Em 1340, a universidade de Montpellier incluía uma escola de anatomia.

Em 1140, Roger da Sicília proibiu qualquer pessoa de praticar medicina sem licença, indicando que os médicos estavam claramente sob alguma forma de regulamentação. No final da Idade Média, lojas de boticários foram abertas em cidades importantes. Curiosamente, essas lojas também vendiam tintas e suprimentos de artistas, e boticários e artistas compartilhavam uma guilda - a Guilda de São Lucas.

Os médicos eram treinados na arte do diagnóstico - muitas vezes mostrado em manuscritos segurando um frasco de urina para inspeção (foto abaixo) ou sentindo o pulso. Na verdade, no século 6, Cassiodoro escreveu que "para um médico habilidoso, a pulsação das veias revela [aos dedos] a doença do paciente, assim como a aparência da urina indica aos olhos". Observação, palpação, sensação de pulso e exame de urina seriam as ferramentas do médico durante a Idade Média.

Um médico examina a urina de um doente. Representação européia do médico persa Al-Razi, na obra Recueil des traités de médecine, de 1250-1260. Via Wikimedia Commons.

Cirurgias como amputações, cauterização, remoção de cataratas, extrações dentárias e até trepanação (perfuração do crânio para aliviar a pressão no cérebro) eram praticadas. Os cirurgiões teriam confiado em substâncias derivadas do ópio para anestesia e molhado feridas com vinho para desinfectá-las.

Muitas pessoas teriam procurado o curandeiro local para atendimento, ou poderiam ter ido ao barbeiro para serem sangradas ou mesmo sugadas. As parteiras cuidavam do parto e das enfermidades da infância. Para os doentes e moribundos, havia hospitais.

Embora muitos mosteiros grandes tivessem hospitais anexados a eles - por exemplo, Saint Bartholemew's em Londres e o Hotel Dieu em Paris - e todos teriam pelo menos uma pequena enfermaria onde monges doentes e moribundos pudessem ser cuidados, não está claro quanto tempo os monges se dedicavam ao cuidado dos enfermos.

O medicus em um mosteiro - monge responsável pelos doentes - teria se dedicado à oração, imposição de mãos, exorcização de demônios e, claro, administração de medicamentos fitoterápicos. O hospital de Santa Maria della Scala em Siena (foto abaixo) foi inicialmente administrado pelos cônegos da catedral. Era conhecido por sua administração eficiente e, apoiado por patrocinadores ricos e era ricamente dotado de obras de arte. Muitas comunidades tinham hospitais para cuidar dos doentes que eram independentes dos mosteiros.

Hospital de Santa Maria della Scala em Siena, Itália.

As principais doenças

Algumas das doenças mais notórias da Idade Média foram:

  • a Peste (a Peste Negra),
  • a Lepra e
  • o Fogo de Santo Antônio.


A partir de 1346, a praga assolou a Europa, e ricos e pobres sucumbiram com velocidade assustadora. A peste pneumônica atacava os pulmões e a peste bubônica produzia os bubões característicos; não havia cura para nenhuma das formas. A única esperança para aqueles que escaparam da terrível doença era a oração ou a peregrinação.

Mão de um norte-americano que se contaminou com a bactéria Yersinia pestis, causadora da Peste Negra, em 2017. O paciente desenvolveu um bulbo e alguns dias após o início do tratamento suas mãos e pés ficaram pretas e começaram a necrosar. Ele foi curado com o uso de pesados antibióticos, mas teve suas mãos e pés amputados.

Embora a lepra fosse muito desfigurante, levando os sofredores a serem temidos e mantidos separados, na verdade, a lepra tem um período de incubação muito lento e pode não ter sido tão contagiosa quanto se acreditava. Os leprosos eram obrigados a viver fora da cidade ou aldeia e a carregar um sino para avisar as pessoas de sua aproximação. Muitas igrejas paroquiais medievais na Inglaterra contavam com Hagioscópios, ou buracos para leprosos (leper squints), que permitiam a um leproso ver a missa e até receber o sacramento sem entrar na igreja, evitando o contato com outros paroquianos.

Exemplo de um Hagioscópio na Igreja de São Pedro em Kirkbampton, Inglaterra. Utilizando esses buracos leprosos podiam assistir a missa enquanto ficavam do lado de fora da igreja.

Pessoas que sofriam com o Fogo de Santo Antônio (Ergotismo) eram atingidas por queimaduras nas extremidades dos membros. À medida que a doença, causada pela ingestão de centeio contaminado, progredia, as extremidades do corpo ficavam vermelhas - mãos, pés e membros inteiros - e podiam ficar gangrenadas e cair. Havia muitos hospitais Antoninos nos quais os pacientes se aglomeravam. Esses hospitais, dedicados a Santo Antão do Deserto, davam aos pacientes uma mistura chamada Saint Vinage, e ervas refrescantes como verbena e sálvia eram aplicadas para aplacar o calor nos membros. Também eram realizadas amputações dos membros afetados.

Um homem sofrendo de um caso avançado do Ergotismo, uma doença causada por fungos que ataca o sistema nervoso. Detalhe da pintura Tentação de Santo Antônio (Temptation of St Anthony) pelo artista alemão Matthias Grünewald (1470-1528).

Muitas pessoas morreram de doenças muito menos dramáticas. As mulheres muitas vezes morriam no parto ou sucumbiam a infecções pós-parto. Freqüentemente, as crianças não chegavam à idade adulta. Os trabalhadores devem ter tido vários problemas, como acidentes, osteoartrite e fraturas. Doenças renais, problemas dentários, hemorróidas e doenças cardíacas teriam sido comuns. Lesões ocorridas em batalhas eram frequentes e costumavam ser fatais.

O Toque da Cura e as Relíquias

O exemplo mais importante para qualquer curador era o próprio Jesus. Os Evangelhos relatam que Jesus curou cegos, fez com que paralisados ​​andassem, expulsou demônios dos possuídos, curou uma mulher com fluxo de sangue e até ressuscitou mortos. O toque da cura foi apropriado por reis ingleses e franceses, e muitas curas milagrosas foram atribuídas à imposição real das mãos. Na Inglaterra, por exemplo, acreditava-se que o King's Touch (Toque do Rei) curava a escrófula, uma forma de tuberculose.

A prática do Toque do Rei surgiu na Idade Média mas só perdeu força com o Iluminismo. Voltaire chegou a ridicularizar esse costume em seus escritos. Essa pintura mostra o rei Luis XIV (Rei Sol) tocando um doente com Scrofula. Obra de Jean Jouvenet (1644-1717).

As orações a Cristo, à Virgem e aos santos sempre foram consideradas a forma de ajuda mais eficaz. Santa Margarida foi invocada para ajuda no parto; Santo Fiacre para alívio de hemorróidas. A peregrinação a um santuário também podia levar a uma cura milagrosa. Freqüentemente, esses locais e as relíquias que eles exibiam estavam relacionados a doenças específicas e a santos específicos.

Objetos associados ao santuário de São Tomás Becket atestam a importância de Canterbury como local de peregrinação onde muitos doentes receberam curas milagrosas. Becket foi descrito como "o melhor médico de doentes virtuosos" e as janelas do século 13 em Canterbury fornecem um registro vívido de curas milagrosas de cegueira, lepra, afogamento, loucura e peste.

Milagres de Thomas Becket, Trinity Chapel window III, panel 57, Catedral de Canterbury.

Em Canterbury, acreditava-se que o sangue do santo era particularmente benéfico - ampolas contendo sangue misturado com água foram distribuídas no santuário. Canterbury parece ter sido um destino de peregrinação particularmente importante para pessoas que sofriam de distúrbios hemorrágicos - talvez por causa do sangue derramado por Thomas em seu martírio.

Cofre relicário de São Tomás Becket. Cerca de 1173-1180. MET. N° 17.190.520

Os peregrinos que chegassem ao seu destino seriam capazes de tocar as relíquias e até mesmo levar para casa relíquias secundárias - talvez um pedaço de pano que foi aplicado em um relicário ou uma ampola de líquido que foi derramada sobre uma tumba. Essas relíquias secundárias poderiam então ser usadas para curar aqueles que estavam doentes demais para fazer a jornada. Em última análise, o poder da fé era um remédio potente para os doentes da Idade Média.

Tradução de texto escrito por Sigrid Goldiner
Janeiro de 2012

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Postado por Moacir Führ

Moacir tem 36 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

Fontes bibiliográficas
  • Bagnoli, Martina, et al., eds. Treasures of Heaven: Saints, Relics, and Devotion in Medieval Europe. Cleveland: Cleveland Museum of Art, 2010.
  • Caviness, Madeline Harrison. The Early Stained Glass of Canterbury Cathedral. Princeton: Princeton University Press, 1977.
  • Gottfried, Robert S. The Black Death: Natural and Human Disaster in Medieval Europe. New York: The Free Press, 1983.
  • Grieve, Maud. A Modern Herbal. 2 vols. New York: Dover, 1982.
  • Hayum, Andrée. The Isenheim Altarpiece: God's Medicine and the Painter's Vision. Princeton: Princeton University Press, 1989.
  • McVaugh, Michael R. Medicine before the Plague. Cambridge: Cambridge University Press, 1993.
  • Rawcliffe, Carole. Medicine & Society in Later Medieval England. Stroud, England: Alan Sutton, 1995.
  • Siraisi, Nancy G. Medieval & Early Renaissance Medicine. Chicago: University of Chicago Press, 1990.
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