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Leonard Woolley e a escavação das Tumbas reais de Ur

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Capa do artigo: Leonard Woolley e a escavação das Tumbas reais de Ur

Leonard Woolley (1880-1960) e as escavações das tumbas reais de Ur.

Ur foi uma das grandes cidades da Mesopotâmia no terceiro milênio a.C., e as descobertas do cemitério da cidade, juntamente com as descobertas de centenas de objetos de grande valor em túmulos reais, nos ajudam a entender um pouco melhor a cultura dos povos dessa região.

Localização de Ur no Oriente Médio.Mapa da cidade de Ur e a localização das tumbas reais.

Charles Leonard Woolley

Leonard Charles Woolley nasceu em Londres em 1860 e é um dos mais famosos arqueólogos britânicos. Ele dedicou mais de  quarenta anos de sua vida a arqueologia, começando em 1906 nas escavações de Corbridge, e fazendo seu último trabalho na Síria em 1949. Depois dessa data ele se dedicou a lançar publicações sobre seus trabalhos, até a sua morte em 1960.

Woolley foi o primeiro arqueólogo que conseguiu sobreviver dessa profissão. E é considerado um dos primeiros arqueólogos modernos, que escavou de forma metódica, manteve cuidadosos registros das escavações e os usou para tentar reconstruir a história e o modo de vida da época.

Aficcionado por pinturas antigas, ele gostava de adquirir obras desgastadas e restaurá-las. Era hábil com as mãos e muitas antiguidades delicadas e frágeis foram recuperadas no curso de suas escavações por seus métodos imaginativos combinados com uma destreza excepcional.

Woolley se graduou em Oxford e estudou linguas modernas na França e Alemanha, em 1905 foi apontado como assistente do famoso Arthur Evans no Museu Ashmolean em Oxford, evans havia alguns anos antes descoberto as ruínas da Civilização Minóica em Creta. Em 1912 foi  apontado como substituto de Dr. Campbel-Tompson na liderança da expedição do Museu Britânico em Carchemish, onde ele foi acompanhado por um brilhante jovem que mais tarde se tornaria o famoso Lawrence da Árabia.

Leonard Wolley (primeiro da direita para esquerda) nas escavações em Carchemish, cidade na antiga Turquia que pertenceu ao império Hitita, ao império Mittani e ao império Assírio. Escavada por Woolley em 1912-1914 e 1920.Relevos encontrados nas escavações em Carchemish.Woolley (a esquerda) e o arqueólogo T. E. Lawrence (futuro Lawrence da Arábia) nas escavações em Carchemish.

As escavações em Carchemish foram interrompidas com a primeira Guerra Mundial, na qual Woolley serviu como major e oficial de inteligência. Após a guerra, em 1919, ele terminou suas escavações em Carchemish e se mudou para o Egito onde realizou um frutífero trabalho em Tell el-Amarna, antiga capital do faraó Akhenaton, para o Fundo de Exploração do Egito.

Após todas essas experiências ele começou seu maior trabalho em Ur. Essas escavações foram financiadas pelo Museu Britânico em parceria com a Universidade da Pensilvânia. Os trabalhos começaram em 1922 e seguiram por cerca de 13 anos com diversos intervalos.

Durante as escavações em Ur, Leonard se casou com Katharine Keeling, uma arqueóloga que participava das escavações. O casamento teria sido apenas para manter a respeitabilidade. Segundo a moral da década de 1920, a situação de uma mulher vivendo em casa com outros homens era inaceitável. Mesmo assim os dois nunca se divorciaram, e Katherine permaneceu sendo uma grande colaboradora dos trabalhos de Woolley até a sua morte em 1945.

Woolley durante as escavações em Ur.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) ele fez parte do programa criado pelos aliados para proteger obras de artes e arquivos históricos, eles eram conhecidos como The Monuments Men. Interessado no seu trabalho nessa área, o Primeiro Ministro Winston Churchill convidou Woolley para visitar seu escritório em três ocasiões diferentes em 1943. Em 1942, Woolley atuou como consultor do diretor Roy Boutling para o Oriente Médio, uma colaboração que resultou no filme Desert Victory (Vitória no Deserto), vencedor do Oscar de melhor documentário de 1943.

Woolley também ficou conhecido por produzir relatos detalhados de suas escavações e ser um excelente comunicador, concedendo entrevistas a rádios, e publicando livros populares sobre arqueologia como Dead Towns and Living Men (Cidades Mortas e Homens vivos), Excavations at Ur, a Record of Twelve Years Work (Escavações em Ur, um registro de doze anos de trabalho), Ur Excavations (Escavações em Ur), e Ur of the Chaldees (Ur dos Caldeus).

Por suas contribuições para a arqueologia, Woolley foi feito Cavaleiro pelo rei em 1935, sendo essa a maior honraria que uma pessoa pode receber do governo britânico. Leonard Woolley morreu em 1960 aos 79 anos

As escavações

O tema central desse artigo são as escavações em Ur. Em setembro de 1922, Leonard Woolley fez as malas e partiu, com uma equipe de assistentes, para o sul do Iraque. Em 2 de novembro ele chegou a Ur, onde encontrou Sheikh Hamoudi ibn Ibrahim, com quem havia trabalhado nas escavações em Carchemish, e que ficaria responsável por administrar os trabalhadores locais em Ur.

Sheikh Hamoudi ibn Ibrahim e Leonard Woolley.

Woolley explorou a paisagem local. Em 1923, ele havia decidido onde começar e duas grandes trincheiras foram cavadas, e dentro de uma semana os resultados começaram a aparecer.

Na trincheira A, a equipe encontrou evidências de enterros e jóias feitas de ouro e pedras preciosas. Eles a chamaram de "trincheira de ouro". Na trincheira B, os trabalhadores encontraram evidências de um grande muro e das ruínas de vários edifícios antigos.

Woolley percebeu que, embora houvesse um grande interesse em escavar a trincheira A, seus homens ainda não tinham experiência suficiente, por isso ele decidiu esperar e voltar seus esforços para a trincheira B. Nas temporadas seguintes, eles fizeram excitantes descobertas, e parte da equipe começou a limpar os escombros ao redor do zigurate.

O zigurate de Ur durante as escavações.

No entanto, Woolley decidiu explorar um local não muito longe de Ur, chamado Tell al-Ubaid. Embora parte dela tivesse sido escavada, Woolley acreditava que ainda havia muito a descobrir. Suas descobertas foram incríveis!

Coluna do templo de Ninhursanga, em Tell al-Ubaid. Museu Penn. N° B15887.2O relevo Imdugud, de Tell al-Ubaid. Museu Britânico. N°   114308Friso descoberto em Tell al-Ubaid. Museu Penn. N°  B15880

Voltando a Ur, as escavações continuaram a explorar a área ao redor do zigurate. Não demorou muito para que eles começassem a descobrir edifícios chamados 'E-dub-lal-mah' e 'E-gi-par'. O primeiro fora construído sob as ordens de um rei e o outro era onde a suma sacerdotisa vivia.

Woolley também voltou sua atenção para edifícios fora da área do templo. Ele revelou um grande número de casas e descobriu muito sobre a vida cotidiana em Ur. Até agora, ele e sua equipe haviam descoberto tantos objetos que grande parte do tempo era gasto em gravação. Isso continuou quando a temporada terminou em março de 1926.

Os principais nomes das escavações em Ur, foto de 1929 (da esquerda para a direita): Max Mallowan, Hamoudi Ibn Ibrahim, Leonard Woolley, Katharine Woolley e Eric Burrows. Fonte: Penn Museum Archives

As tumbas reais

Em 1927, após cerca de quatro anos de escavações, Woolley decidiu voltar suas atenções para a 'trincheira de ouro'. com uma equipe já bastante experiente, iniciaram as buscas pelos túmulos. Ao lado dos corpos descobriram vasos de cerãmica, pentes, armas e jóias.

Até o fim da temporada, mais de 600 túmulos já haviam sido descobertos. No mês seguinte, novas e supreendentes descobertas começaram a ser feitas. Mais 300 sepulturas foram reveladas, e entre elas algumas eram fora do comum. Elas não eram apenas buracos, mas túmulos com várias salas. E continham dezenas de corpos cercados de objetos extraordinários. Elas ficaram conhecidas como as tumbas reais. Segundo Leick:

Uma característica singular dessas sepulturas era que continham, além do que parceria ser o corpo principal, os corpos de homens e mulheres interpretados por Wooley como 'servos' e talvez vítimas sacrificiais. (...) Aos homens eram dados machados, punhais, facas, pedras de amolar, assim como coberturas para a cabeça feitas de bandas de ouro com pedras incrustadas. As mulheres ostentavam tiaras douradas, toucados no formato de folhas, pentes, brincos e gargantilhas. (LEICK, 2003, p.135)

A descoberta de Woolley foi manchete em todo o mundo. Foi a primeira vez que tantos objetos como esse foram encontrados na Mesopotâmia. As descobertas mudaram a visão pública da arqueologia e da cultura mesopotâmica. Os objetos abaixo são apenas alguns exemplos do que foi encontrado nos "túmulos reais". Para mais informações sobre os demais objetos encontrados nas tumbas reais confira nosso outro artigo Os achados do Cemitério Real de Ur.


A equipe continuou a encontrar mais Tumbas Reais com objetos maravilhosos. No total, cerca de 1850 túmulos foram escavados, dos quais 17 eram Tumbas Reais. A maioria deles datava de cerca de 2600 a.C. Woolley terminou suas escavações em Ur em 1934.

Teorias sobre as tumbas reais

O grande problema levantando pela descoberta dos túmulos reais foi a origem dos corpos que os ocupavam. Os túmulos haviam sido claramente construídos para abrigar reis e rainhas, mas dentro das tumbas diversos corpos faziam companhia a essas autoridades.

No túmulo da rainha Puabi, cinco corpos de homens guardavam a porta, e dez mulheres a acompanhavam, além de duas outras mulheres que estavam ao seu lado. No túmulo de A-calam-dug, havia seis corpos de homens e dezenove de mulheres. Na sepultura de Meskalamdug, havia incríveis 74 corpos, dos quais 68 eram mulheres.

Woolley explicou essa situação com a formulação da teoria de um ritual de sacríficio humano coletivo. Segundo ele, os reis e rainhas, no momento da sua morte, teriam sido acompanhados ao túmulo pelos seus servos, que teriam se suicidado em algum tipo de ritual, para que fossem enterrados ao lado desses governantes, os acompanhando para o outro mundo. Uma ilustração que hoje é muito famosa, foi publicada em um jornal da época, reconstruindo a cerimônia funerária do túmulo da rainha Puabi. Confira abaixo:

Reconstrução artística do poço de morte PG789 antes da morte dos cortesãos. Obra feita em 1928 por Amedee Forestier.

Essa teoria é explicada com riqueza de detalhes na sua obra "Ur dos Caldeus" lançada em 1952. O problema é que a prática desse tipo de sacríficio nunca fez parte da cultura da Mesopotâmia, em nenhum período, e simplesmente não condiz com a visão que esses povos tinham sobre a morte.

Em sua obra Mesopotâmia - A Invenção da Cidade, Gwendolyn Leick descreve em detalhes a descoberta das tumbas reais, e faz uma análise extremamente lúcida do trabalho realizado por Leonard Woolley e das suas teorias. E ela comenta essa questão tão controversa:

Woolley teve o cuidado de basear sua teoria das vítimas sacrificiais em observações circunstanciais, além de reunir indícios. (...) Num exame mais detalhado, porém, nenhuma dessas 'provas' se sustenta: a manipulação dos corpos após a inumação é uma prática bem conhecida em muitas culturas, especialmente na área mediterânea, e a incapacidade de Woolley até para conceber a existência de tais costumes se deve tanto às sensibilidades vitorianas em relação a morte quanto à sua falta de conhecimentos etnográficos. (...) Não sabemos, pura e simplesmente, o que aconteceu nas 'covas da morte' (...) (LEICK, 2003, p.137)

O jornalista Kriwaczek, em sua obra Babilônia, apenas comenta a existência de vozes discordantes, citando a própria Leick como uma delas, mas não dá muito crédito para os argumentos, aparentemente apenas porque a história criada por Woolley é mais excitante. E ele não está errado. Embora não haja evidências para sustentar a hipótese de Woolley, ela continua sendo repetida, por esse simples motivo:  ela é intrigante. Nada deixa as pessoas mais interessadas do que um ritual macabro de sacríficio ritual coletivo.

Foto de membro da equipe do site: Moacir Führ
Escrito por Moacir Führ

Moacir tem 36 anos e nasceu em Porto Alegre/RS. É graduado em História pela ULBRA (2008-12) e é o criador e mantenedor do site Apaixonados por História desde 2018.

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